O encontro de Fernando Diniz com a seleção brasileira merecia a plenitude

Fernando Diniz jamais ofereceu ao público qualquer motivo para questionar sua integridade. Exemplar na forma como inclui o futebol na pauta das relações humanas e sociais, o treinador baseia seu jogo, para além das questões estratégicas, na cumplicidade entre os jogadores. Na solidariedade, na intenção de cada um em ser, o tempo todo, um apoio ao companheiro. Com e sem bola, dentro e fora do campo. É dessa experiência que a seleção brasileira poderá desfrutar durante o próximo ano, pelo menos.
Estabelecer laços viscerais entre indivíduos distantes, de países, vidas e realidades diferentes, em períodos curtos de convívio, será um desafio inédito. Por outro lado, inédita também será a capacidade individual de seu grupo para transformar esse jogo solidário num exercício de coragem e, por consequência, num futebol esteticamente sedutor – meta já atingida com elencos bem mais modestos – e eficiente.
Trata-se de um encontro que merecia a plenitude, talvez inatingível nos termos do acordo.
Em sua apresentação, Diniz respondeu como será sua rotina: “Vou me dedicar 100% aonde eu estiver. Quando eu estiver trabalhando no Fluminense, dedicação total. Quando estiver trabalhando pra Seleção, principalmente nas datas-Fifa, vou me dedicar e centrar totalmente”.
Há um relevante equívoco conceitual nessa afirmação. A partir de agora, Fernando Diniz é, o tempo todo, técnico do Fluminense e da seleção brasileira. Ele está em ambos em 100% do tempo e não há como se livrar dessa situação até que um dos contratos se encerre ou seja rompido.
Estar técnico de uma equipe de futebol hoje significa trabalho integral. As situações surgem. Numa manhã de sábado, Diniz estará treinando seu time para jogar no dia seguinte ou assistindo a uma partida do Campeonato Inglês com cinco possíveis convocados em campo? Ambas as escalas deveriam ser obrigatórias para quem ocupa tais funções, a não ser quando se tratam da mesma pessoa.
Diniz teve de defender também sua ética. Qualquer acusação a ele seria leviana. O conflito não será criado por uma atitude mal-intencionada, ele já está posto pela atabalhoada condução da CBF na escolha do sucessor de um técnico que anunciou sua saída há 18 meses. É inimaginável que o interino menos interino de todos os tempos inclua numa lista um jogador de um time adversário do Fluminense para, deliberadamente, prejudicar sua preparação para a sequência do campeonato. Insinuações sobre isso serão irresponsáveis.
Mas, se o time em questão perder o jogo imediatamente seguinte à data-Fifa, desfalcado de tal jogador, convocado por méritos, com um erro individual do substituto, o chamado terá tido alguma influência. Não se pode criar qualquer cenário em que haja o risco do time do técnico Fernando se beneficiar de uma convocação do técnico Fernando, ainda que ela esteja cercada das melhores intenções.
A geradora de tantos possíveis conflitos de interesse é a CBF, que deveria exigir exclusividade de seu comandante, mas como fazer isso ao oferecer somente um ano de contrato no meio do ciclo de Copa do Mundo?
Pior: a entidade menospreza o que talvez tenha sido o principal legado do período anterior. Tite e sua comissão transformaram o trabalho na seleção brasileira em algo diário. Com reuniões, viagens, coleta de dados, troca de informações e relatórios com os clubes. A rotina agora deixa de ser diária e passa a ser a de um freelancer. Por sinal, que profissional do Brasileirão terá coragem de enviar detalhes da preparação de um atleta a uma comissão que, semanas depois, será adversária?
Fernando Diniz poderia ser o treinador da Seleção até 2026, não estivesse o presidente Ednaldo Rodrigues obcecado pela ideia de ter Carlo Ancelotti. A admiração pública de nomes como Neymar e Casemiro pelo trabalho do mineiro de Patos de Minas – primeiro não-gaúcho no cargo em 17 anos – dá o tom de seu alcance entre boleiros. E indica que uma ruptura daqui a um ano pode não ser tão simples quando deseja a CBF.
Diniz tem tudo para protagonizar um período de excelência na Seleção, mas não poderia ter o Fluminense.
Por Alexandre Lozetti
Foto: Ricardo Moraes/Reuters